A terceira semana do mês de março de 2020 foi um divisor de águas na realidade brasileira da pandemia de covid-19. Fecharam as portas indústrias, comércios, empresas de serviços, repartições públicas e, sim, casas de swing. A realidade como conhecíamos mudou, assim como a rotina de casais liberais que frequentavam festas e encontros onde rolam swing e ménage.
Aos poucos, a maior parte dos setores voltou a funcionar. No entanto, restrições mais severas foram impostas setor de entretenimento, no qual se incluem as boates e bares onde ocorrem festas liberais abertas ao público. “Aglomeração” deixou de ser uma palavra meio esquecida da língua portuguesa. E foi para evitá-la que os casais liberais passaram a conviver com outra definição, a de “novo normal”.
Para entender como funcionam os relacionamentos de swing em meio a um dos acontecimentos mais marcantes da nossa era, conversei com figuras importantes do meio liberal: a Camila Voluptas e o Sr. e a Sra. Pimenta.
“Tô me guardando pra quando o carnaval a vacina chegar”
O movimento #ficaemcasa foi o combustível para mais uma dentre as muitas polarizações que a pandemia inseriu na sociedade. Camila Voluptas, que pode ser considerada uma influencer do sexo liberal, se juntou ao time das pessoas que ainda mantêm o isolamento mesmo com a permissão de funcionamento dos espaços de diversão.
Camila e seu atual marido, Edgar, decidiram adiar os encontros pessoais, bem como as festas organizadas pela sociedade de swing que eles comandam. E também as palestras que Camila ministra para casais. Na agenda de eventos do clube de sexo liberal gerido pelo casal, o Voluptas Club, constam três palestras e três festas liberais canceladas devido à pandemia — e ainda sem previsão de retorno. Camila explica:
Eu sou uma pessoa simples e prática e acredito que swing é uma parte da minha felicidade, mas não é minha prioridade. Minha prioridade é a saúde e o bem-estar de minha família e amigos, então meu foco foi ficar bem e ver todos bem. Foi difícil ficar isolada e sem amigos, mas para quem não foi?
Da superação de traumas à troca de casais
Mais do que uma forma entretenimento, o sexo liberal promoveu uma mudança de vida de Camila. Antes de se envolver com o atual marido, ela foi vítima de um relacionamento abusivo no qual foi agredida. Isso causou diversas marcas que a impediam de ter uma sexualidade satisfatória.
Apesar de tudo ir muito bem em meu relacionamento com Edgar, eu era marcada por diversos traumas do passado. Sexualmente eu estava morta e qualquer coisa era gatilho para os tempos difíceis; minha autoestima nessa época foi ‘jogada no chão’ e mesmo que Edgar tentasse me fazer enxergar quem eu realmente era, eu não conseguia me libertar sexualmente dos fantasmas que me assombravam.
Com o tempo, Camila foi se recuperando graças ao diálogo e paciência de Edgar. Assim, as primeiras fantasias envolvendo outras pessoas foram surgindo entre eles.
Eu revelei a Edgar que sentia vontade de transar com uma mulher, até porque os carinhos que elas demonstram em filmes eram muito mais do que eu havia recebido de meu ex-marido. Sem me julgar, Edgar foi dando ‘asas a minha imaginação’ e também foi me abrindo desejos e vontades; mas até então swing real nem passava pela minha cabeça, apesar de ter fantasiado algumas vezes estar na cama com mais de um homem.
Um passo importante para a realização das fantasias do casal foi a criação de uma conta no Sexlog, o “Facebook do swing”. Camila foi se soltando na medida em que postava fotos e recebia reações positivas das pessoas:
Lá aprendi que existe gosto para todos os tipos de belezas e que talvez o Edgar não sentisse prazer comigo somente por nossa história de amor, mas por quem eu realmente era. (…) Minha libido e autoestima estavam fantásticas nessa época e começamos a falar sobre o universo liberal e tudo aquilo que poderíamos ou não fazer. Decidimos, então, ir pela primeira vez em uma casa de swing quando tivemos uma leve experiência com um homem durante um ménage a trois, que me transformou como mulher.
Mesmo sabendo que o swing e o ménage são parte importante de sua sexualidade, o casal concorda sobre as medidas restritivas. Para eles, o período exige uma mudança de prioridades. Camila deu um conselho para os casais liberais:
Cuidem do que realmente é necessário: vocês; o restante acontece como e quando puder. Aproveitem este momento para se conectarem ainda mais, afinal é uma oportunidade de viver uma relação mais intensa a dois.
A doença que parou o swing carioca
Os cariocas Fátima e Fernando, conhecidos como Casal Pimenta, atualmente não estão mais isolados. Eles cumpriram alguns meses de isolamento, mas no Dia dos Namorados decidiram sair de casa. As notícias, que serviram para muita gente se informar sobre a doença, para eles não foram totalmente positivas:
Fomos desapegando do pânico causado pelas notícias de televisão, até chegarmos no momento atual, onde estamos vivendo tudo quase normal. Apenas tentamos seguir as regras de flexibilização da prefeitura do Rio, tanto para nossa vida noturna, da qual sentimos uma imensa falta, quanto para encontrar outras pessoas em boates e festas liberais.
Eles se definem assim: “um casal como outro qualquer, que em meados de 1999 decidiu apimentar o casamento buscando realizar nossas fantasias mais secretas, no caso o ménage masculino”. Assim como para Camila Voluptas, o swing para o Casal Pimenta não significa apenas diversão, também é trabalho.
Quando a jornada deles começou, a internet ainda dava seus primeiros passos; foi através de um anúncio em jornal que encontraram a primeira casa de swing que passaram a frequentar todos os sábados. De lá para cá, foram se envolvendo profissionalmente com o sexo liberal e começaram a se destacar na cena de swing do Rio de Janeiro. O currículo dos Pimenta na realização e na promoção de festas é extenso, sobre isso eles falam em detalhes no site do casal.
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Swing na pandemia com respeito (e distanciamento)
Fernando Pimenta me contou que foram longos os seis meses sem organizar encontros. As festas semanais voltaram a ocorrer em setembro, segundo ele “sem deixar a desejar em nada o que era antes do início da pandemia, salvo uma ou outra pessoa que prefere usar máscara durante as festas”.
Ele avisa que “quem quer fazer swing não pode estar procurando distanciamento social ao mesmo tempo”. Afinal, é impraticável a dinâmica de fazer sexo de máscara e a um metro de distância da outra pessoa.
A procura pelas festas era intensa e, assim, Fernando percebeu que o desejo dos casais de retomar a rotina swingueira era maior que o medo do coronavírus. Em setembro, houve a liberação das atividades em bares e casas noturnas e o casal voltou a promover as festas regulares:
Fomos tão surpreendidos pela quantidade de casais interessados em participar dos primeiros eventos que fizemos, já no mês de agosto tivemos que liberar a boate e fazer o swing clandestino. Vale registrar que em todos esses eventos, devido à imensa procura, nos vimos obrigados a ‘barrar’ casais e outros praticantes para atender a restrição do número de participantes.
A restrição do número de participantes, no entanto, é apenas um paliativo aos riscos que as festas oferecem. Fátima me explicou que para fazer swing na pandemia não rola defender o “novo normal”:
Não existe isso de novo normal, não há como manter distanciamento social e usar máscaras todo o tempo numa festa de swing, apenas o álcool gel disponibilizado em todos os ambientes é usado com maior frequência. Assim, o normal será sempre como era antes, e já tem sido nas festas que temos organizado e frequentado.
De repente, o sexo a dois
Assim como ocorreu com os solteiros que restringiram os encontros durante a pandemia, a “solidão a dois” também acabou pegando os casais swingers e não-monogâmicos. Em março, as aventuras do Casal Pimenta que eram semanais, de um dia para o outro foram proibidas.
Some-se isso ao contato intenso com o companheiro no mesmo ambiente, à falta de lazer e ao estresse natural causado pela pandemia, e obtenha alguns probleminhas na relação. Fátima me explicou que além da falta de swing e ménage, o pânico e a incerteza sobre o futuro contribuíram para um período de marasmo sexual em seu casamento:
Acho que houve uma mudança, mas somente durante o período que ficamos confinados em quarentena; uma certa apatia, quase uma preguiça, como se faltasse um estímulo, uma pitada de pimenta para acender o nosso fogo sexual. Mas atualmente, para nós, está tudo normal como antes, o botão ‘off’ virou para ‘on’ logo que voltamos a colocar os pés na rua e socializar com as pessoas, sentimos que a volta à liberdade foi o grande combustível para alimentar e gerar as oportunidades para manter acessa nossa chama.
Sair ou não sair?
Na fase atual da pandemia, as festas de swing estão liberadas, desde que respeitem as normas dos estados e prefeituras. Isso pode representar um alívio para alguns casais — e dúvidas para outros.
Obter uma resposta não é tão simples; os casais precisam considerar diversos fatores, se informar sobre protocolos de segurança e pensar sobre qual o grau de risco em que se situam. Além disso, precisam refletir sobre os perigos de transmitir a doença para pessoas do grupo de risco. Também é importante buscarem alternativas para melhora da saúde mental e evitar depender do swing como único pilar de sua sexualidade.
O Casal Pimenta dá um conselho para os aflitos:
Entendemos que todos têm seu poder de escolha, ou seja, podem optar por estar numa festa com dezenas de pessoas, ou com um grupo restrito de amigos e conhecidos; em ambas situações correndo o mesmo risco em maior ou menor proporção. Mas podem também ficar em casa afastados de tudo à espera do término da pandemia. Nossa dica, mais que um conselho, é seguirem suas convicções, equilibrarem o desejo de cada membro do casal e decidirem por fazer apenas aquilo que se sintam seguros, mas nunca criticar os que pensam de forma diferente. Entender e aceitar o poder de escolha de cada um, afinal ser liberal é muito mais do que apenas fazer sexo com parceiros trocados.